segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A urgência de uma ecologia integral
         Uma das afirmações básicas do novo paradigma científico e civilizatório é o reconhecimento da inter-retro-relação de todos com todos, constituindo a grande rede terrenal e cósmica da realidade. Coerentemente, a Carta da Terra, um dos documentos fundamentais desta visão das coisas, afirma: “Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e, juntos, podemos forjar soluções includentes” (Preâmbulo, 3).
         O Papa Francisco, em sua encíclica sobre O cuidado da Casa Comum, se associa a essa leitura e sustenta que “pelo fato de que tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais requerem um olhar que leve em conta todos os aspectos da crise mundial” (n. 137) se impõe uma reflexão sobre a ecologia integral, pois só ela da conta dos problemas da atual situação do mundo.
         Não se trata mais apenas da relação do desenvolvimento com a natureza, mas do ser humano para com a Terra como um todo, e com os bens de serviços naturais, os únicos que podem sustentar as condições físicas, químicas e biológicas da vida e garantir um futuro para a nossa civilização.
         O tempo é urgente e corre contra nós. Por isso, todos os saberes devem ser ecologizados; vale dizer, postos em relação entre si e orientados para o bem da comunidade de vida. Igualmente, todas as tradições espirituais e religiosas são convocadas a despertarem a consciência da humanidade para a sua missão de ser a cuidadora dessa herança sagrada, recebida do universo e do Criador, que é a Terra viva, a única Casa que temos para morar. Junto coma inteligência intelectual de vir a inteligência sensível e cordial e, mais que tudo, a inteligência espiritual, pois é ela que nos relaciona diretamente com o Criador e com o Cristo ressuscitado, que estão fermentando dentro da criação, levando-a junto conosco para a sua plenitude em Deus (nn. 100; 243).
         O papa cita o comovente final da Carta da Terra, que resume bem a esperança que deposita em Deus e no empenho dos seres humanos: “Que nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta pela justiça e pela paz e pela alegre celebração da vida” (n. 207).
         Uma outra notável contribuição nos vem do conhecido psicanalista Carlos Gustavo Jung (1875 – 1961) que, em sua psicologia analítica, deu grande importância à sensibilidade e submeteu a duras críticas o cientifismo moderno. Para ele, a psicologia não possuía fronteiras, entre corpo e mente, entre consciente e inconsciente, entre individual e coletivo. A psicologia tinha que ver com a vida em sua totalidade, em sua dimensão racional e irracional, simbólica e virtual, individual e social, terrenal e cósmica e em seus aspectos sombrios e luminosos.
         Saiba articular todos os saberes disponíveis, descobrindo conexões ocultas que revelavam dimensões surpreendentes da realidade. Conhecido foi o diálogo, em 1924 – 1925, que Jung manteve com um indígena da tribo Pueblo, no Novo México USA. Este indígena achava que os brancos eram loucos. Jung lhe perguntou por que os brancos seriam loucos? Ao que o indígena respondeu: “Eles dizem que pensam com a cabeça”. “Mas é claro que pensam com a cabeça” retrucou Jung. “Como vocês pensam”? – arrematou. E o indígena, surpreso, respondeu: “Nós pensamos aqui” e apontou para o coração (Memórias, Sonhos, Reflexões, p. 233).
         Esse fato transformou o pensamento de Jung. Entendeu que o homem moderno havia conquistado o mundo com a cabeça, mas que havia perdido a capacidade de pensar e sentir com o coração e de viver através da alma. A mesma crítica fez o papa quando foi à ilha italiana de Lampedusa. “Desaprendemos a sentir e chorar”.
         Logicamente não se trata de abdicar da razão – o que seria uma perda para todos – mas de recusar o estreitamento de sua capacidade de compreender. É preciso considerar o sensível e o cordial como elementos centrais no ato do conhecimento. Eles permitem captar valores e sentimentos presentes na profundidade do senso comum.
         Em suas Memórias, Jung diz: “há tantas coisas que me repletam: as plantas, os animais, as nuvens, o dia, a noite e o eterno presente nos homens. Quanto me sinto incerto sobre mim mesmo, mais cresce em mim o sentimento de meu parentesco com o todo” (p. 361).
         O drama do homem atual é ter perdido a capacidade de viver um sentimento de pertença, coisa que as religiões sempre garantiam. O que se opõe à religião não é ateísmo, ou a negação da divindade. O que se opõe é a incapacidade de ligar-se e religar-se com todas as coisas.
Leonardo Boff.

A Gazeta, 16 de Novembro de 2015.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Problemas sociais, quem assume EU ou NÓS?

         Vivemos um intenso e triste momento de desvalorização do ser humano. Vivemos uma era em que o humano é coisificado, assim como os escravos foram no Brasil, o humano vive tratado com um mero objeto, sem valor financeiro e moral. De onde vem tanta indiferença para com os nossos irmãos menos favorecidos de bens financeiros, mas ricos de bens morais e de integridade humana?
         Nesta era que podemos chamar de “Era do Descaso”, cada vez mais os poderosos tomam posse dos outros e de seus direitos, como se estes fossem simples objetos que encontramos nas prateleiras de supermercados ou lojas de R$1, 99.
         A maior perda do século XXI é a perda de valores. Deixamos-nos levar por coisas que nos reduzem a um mundo medíocre e sem conhecimento crítico de tudo que ocorre ao nosso redor e que é sim, ou ao menos devia ser, de nosso extremo interesse como a política, as crises nacionais e mundiais, os problemas sociais e econômicos.
         Entregamos-nos a uma política de ‘pão e circo’, principalmente no Brasil, e não questionamos aos nossos governantes sobre os problemas que enfrentamos e que deveríamos estar preocupados para a redução ou solução de tais se darem de imediato. Com nossa força braçal e com nossa capacidade de sermos acolhedores e fraternais, típica característica do povo brasileiro, podemos solucionar os nossos problemas nacionais e possivelmente os mundiais.
         Mas nossa incapacidade de compreender que receber benefícios do governo, como a Bolsa Família, e diversas outras bolsas que só deixa o povo mais acomodado, e assistir futebol e novela com temas e cenas que todos querem ver, não irão nos levar a lugar algum.
         Só em 2013, 10.520 crianças e adolescentes com idade entre 0 e 19 anos sofreram homicídios, e outros 788 suicidaram-se. No Espírito Santo cerca de 170 adolescentes entre 16 e 17 anos sofreram homicídios (cf. Mapa da Violência 2015 – Julio Jacobo Waiselfisz).
         Até quando seremos indiferentes a estes problemas que ocorrem em nossa casa comum? Será que só começaremos a ter compaixão, quando alguém de nossa família for atingida por tais problemas? Será que sou diariamente atingido por esses problemas, mas a política de pão e circo me impede de enxergá-los?
         Os números nos mostram que somos capazes de ver, todos os dias, jovens e adolescentes serem mortos sob nossos olhares e sermos absolutamente indiferentes a tudo o que acontece ao nosso redor. A indiferença para as coisas que acontecem, mostra o quão o ser humano esta coisificado e que os valores morais se perderam, e cada vez mais está se perdendo, com o passar dos tempos.
         Um dia escutei uma pessoa dizer que, não gosta que usemos frases com palavras que generalizam a culpa dos problemas ou responsabilidades. Concordo com esta pessoa, não se deve culpar a todos por algo que estas pessoas não fizeram. Mas se todos nós vivemos e usufruímos de uma casa comum, todos nós, sem exceção, desde o mais jovem ao mais idoso devemos nos responsabilizar pelos erros humanos.
         Se cada um de nós fizesse a nossa parte, a desvalorização da pessoa não seria tão grande quanto é, e principalmente a desumanização dos pobres e necessitados seria, com toda certeza, muito menor do que é no mundo em que vivemos.
         Os governantes, por exemplo, vivem com uma política de pão e circo, e conseguem manipular todo o povo brasileiro e mundial, com os benefícios que dão de modo a “diminuir” a necessidade do povo. Por que os governantes mundiais não se unem contra a corrupção mundial e resolvem o problema econômico e social do mundo?
         Vivemos na cultura do ‘EU’ quando há a necessidade ou reconhecimento, e do ‘NÓS’ quando se é culpado e responsabilizado. Por que então que eu que sou responsável por estes governantes e principalmente por estes atos desumanos que acontecem ao nosso redor, não tomo alguma atitude? Porque na hora da mudança é necessário que o outro assuma a culpa, além de ser mais cômodo que o outro “se vire” com o meu, o nosso problema.
Devemos valorizar o que há de melhor em todos nós. O amor, a compaixão, o carinho, a fé e principalmente o caráter, pois uma pessoa que possuí o caráter corrompido não merece o reconhecimento que a maioria possui. Só assim seremos capazes de construir um mundo melhor que todos nós sonhamos para nossos descendentes, para os nossos jovens e adolescentes que são o nosso futuro.

Vamos então todos NÓS, assumir os erros, valorizar as qualidades e construir um mundo melhor. Ou EU devo assumir, valorizar e ser capaz de construir um mundo melhor?
Crístofer Zuqui.